sexta-feira, 7 de outubro de 2011

UMEI GERALDO MONTEDÔNEO BEZERRA DE MENEZES

A METAMORFOSE AMBULANTE, O ENCONTRO DO CASULO DA LAGARTA E DA BORBOLETA.
Maria Inês de Azevedo Ventura.

Prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Eu quero dizer
Agora, o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Raul Seixas
Quando iniciei minha carreira em 1981 tinha 19 anos, pouca experiência, estava recém formada no curso de formação de professores do Instituto de Educação Ismael Coutinho.
Era um casulo, aprisionada dentro de uma prática conservadora e reprodutora, que aprisionava mente e corpo .
As crianças borboletas livres, soltas, coloridas, saltitantes, felizes e criativas. Mas a escola as transformava em lagartas, que se arrastavam entre as folhas sem conseguir voar, só restando sentir o cheiro das flores e a doce brisa da primavera.
A história começa assim, era uma vez um casulo, uma lagarta e uma borboleta que não viveram felizes para sempre, pois viver é um ato de experimentação, sensação, sofrimento e crescimento, e essa história começa sem ter fim.
O fim é só o começo do processo de metamorfose, entre mim e a professora que se inventa e se define no chão da escola.
Comecei a lecionar no jardim de infância na Escola Monsenhor Uchôa, em Tenente Jardim. Minha primeira experiência foi com crianças de 3,4 e5 anos. A turma era mista. Era um grande desafio elaborar atividades diferentes, visto que à escola usava o livro MEU JARDIM, e cada grupo tinha seu livro.
Cada criança tinha três livros: Português, Matemática e Estudos Sociais. Era uma verdadeira loucura dar conta de tantos livros com crianças de faixa etária diferente. Nessa época a educação infantil se destinava unicamente a preparação para o ensino fundamental.
Deixando assim a lagarta imóvel, o casulo amarrado e a borboleta sem asas para voar.
As crianças tinham que aprender o alfabeto, as vogais, os números , escrever seu nome com letra cursiva, somar, subtrair etc. Sem espaço para brincar e ser criança, sem asas para voar, imaginar ,sonhar ,sem poder experimentar e se descobrir, preso dentro do corpo da lagarta.
Ao invés de pular se arrastava, ao invés de brincar, sentava na cadeira da escola. Seu corpo pede liberdade, sua essência é a felicidade, o movimento contido pelos exercícios de controle motor, sua linguagem silenciada.
Eu nunca sentei com meus alunos para fazer a roda de conversa, para escutar suas vozes, seus sentimentos e vontades. Isso não era importante. Os livros didáticos adotados era prioridade absoluta.Os pais cobravam seu uso diário. A direção exigia as atividades mimeografadas de controle motor e as atividades de casa.
De dentro do meu casulo eu achava que educar crianças pequenas é preparà-las para a escola para a alfabetização,para usar técnicas,para seguir modelos,para fechar a mente para o desconhecido, reproduzir ideias que não suas, obedecer sempre sem questionar, impedir que as crianças alcancem voo por suas próprias pernas.
Ser casulo é isso, impedir o sol de nascer, fechar os olhos para o mundo, e nunca permitir que uma lagarta vire uma linda borboleta, porque elas são perigosas para a nação, são livres , são desobedientes e adoram transgredir ordens, pois não se contentam com o conformismo e a mesmice.
Os cadernos tinham que ter carimbos de bichinhos com palavras de ordem, do tipo: você é capaz, melhore a letra, atenção, capriche mais, etc.
Não se discutiam a importância das histórias.As múltiplas linguagens, a concepção de infância. A criança era tratada como um objeto, sem história, vazia de sentimentos e emoções, uma tábua rasa, um depósito de informação.
Lecionei nessa unidade até 1986, quando entrei para a rede municipal de educação de Niterói.
Aí começa minha metamorfose.
Primeiro casulo. Depois lagarta que se transforma em borboleta. Livre , leve, capaz de refletir sobre sua prática, de se libertar da concepção de educação reprodutora, preparatória. Minha prática foi se modificando, foi se ressignificando.
Virar borboleta foi um ato de amor a minha profissão, e amor ás crianças. Pode até parecer piegas demais, mas assim se deu minha transformação. Não foi da noite para o dia. Foi um processo árduo e de sofrimento.A mudança acontece de dentro pra fora, é visceral, exige coragem.
Mudar não é fácil, mais necessário para a evolução das espécies vivas.Mudar é se adaptar a novas situações, é ruptura de valores e concepções. Mudar é crescimento.
Minha primeira lotação foi na creche Odilo Costa Neto, mantida por uma entidade filantrópica, NÓS ( obras sociais). Essa creche era fiscalizada pela secretaria do Bem Estar Social. Os funcionários eram lotados nessa secretaria. Não eram professores. Eram auxiliares de creche.
Como era conveniada pela prefeitura, recebia alimentação e as vezes professores, visto que não se podia ter professores em creche, consegui essa vaga a pedido da professor Elvirane, na época ela trabalhava na secretaria como diretora do departamento de educação.
Ao chegar na creche assumi o 3º período. Comecei a participar das capacitações oferecidas pela Secretaria de Educação. As discussões surgiam , questionamentos sobre a função da pré-escola, as concepções pedagógicas, as teorias de aprendizagens, as tendências pedagógicas, a concepção de infância.
Eu não cabia mais dentro do casulo.Precisa alcançar voo, construir minha identidade enquanto professora , me potencializar para poder desenvolver minha função com competência, leveza, sensibilidade e alegria.
Como diz a música, . É preciso amor pra poder pulsar, é preciso paz
Pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir. Precisava tecer o amanhã, com fios de esperança ter fé na vida, , precisava muito acreditar na possibilidade de transformação da escola e da sociedade
Precisava buscar minha linha de trabalho, minha identidade profissional, para isso era necessário estudar, conhecer as teorias, e experimentá-las na sala de aula, para poder avaliar o que dava certo, e com isso definir minha prática pedagógica.
Quando achei que tinha encontrado meu caminho, dentro de uma unidade de educação infantil, veio a ordem da secretaria que precisava sair, pois estavam faltando professores nas escolas, como já havia dito, em creches não podia ter professores.
Fui então locada na Escola Municipal Ernani Moreira Franco, Cheguei em maio de 1989, estava voltando da licença maternidade.
Ao chegar na unidade fui recebida pela diretora que me disse a seguinte frase :Essa turma tem só 18 alunos, você vai poder fazer um trabalho de professora particular. Porém ela se esqueceu de mencionar que os alunos não estavam alfabetizados, e a faixa etária era dos 10 anos aos 18 anos, alunos com uma história de fracasso escolar séria.Com baixa estima, problemas sérios de aprendizagem.
Só restava fazer três coisas, voltar para o casulo, reproduzir o ideário da escola reprodutora, mecanicista. Ser lagarta e fazer o que todos faziam, seguindo o método sem refletir sobre o processo da leitura e escrita ou ser borboleta, voar alto, buscar um caminho , um norte para desenvolver meu trabalho com esses alunos.
Não podia voltar para o casulo, caso contrário, tudo que tinha aprendido , todo trabalho que tinha construído teria se perdido, se eu desconsiderasse os seguintes pontos: As teorias servem para fundamentar a docência de qualquer segmento, ou faixa etária. A aprendizagem é um processo dinâmico que vai se significando com o tempo e com as proposta de trabalho desenvolvido.
Sendo assim tudo pode ser adequado e modificado. Quem define o trabalho é o professor junto com os alunos, não existe receita pronta, ou método que de conta sozinho do processo de ensino e aprendizagem.
Estava em maio.
E precisava alfabetizar esses alunos. Como? Qual o método adotar ?
As dúvidas eram muitas. Na busca de respostas procurei orientação com as professoras que estavam com as turmas de alfabetização. Me surpreendi com o método adotado na rede, silabação. O método era em etapas, que ia da primeira a sétima. Não entendia muito a proposta de se dividir a alfabetização em etapas.
Como estava estudando a teoria psicogenética de Jean Piaget através dos estudos da pesquisadora Emília Ferreiro, ainda que muito embrionariamente fui me aprofundando na teoria e desconstruindo a minha visão de alfabetização mecanicista e fragmentada que desconsidera o saber acumulado do aluno.
Novamente precisava definir minha prática, minha ação pedagógica. Queria desenvolver um trabalho consistente, fundamentado, capaz de alfabetizar um grupo totalmente heterógeneo em pouco tempo.
Era um desafio que decidir vencer .Como não sabia? Não tinha receita pronta. O método da escola certamente não daria conta, precisava então definir uma linha de trabalho eficiente.
Mais uma vez o casulo me aprisionava, me enrijecia, me silenciava. Nunca precisei tanto da borboleta como naquele momento, soltar as asas e voar alto , sentindo o vento no rosto e na alma.
A metamorfose precisava acontecer imediatamente ,e se deu o que parecia impossível. Trouxe minha experiência de professora da pré-escola para a escola de verdade, o ensino fundamental.
Iniciava minhas aulas com uma história. Arrumei minha sala em círculo. Discutia com os alunos temas diversos, todo dia tinha um novo desafio para o grupo resolver. O trabalho era sempre em dupla ou em grupo de 4 alunos.
O conhecimento circulava. Seus saberes eram socializados e respeitados. Não existia o não sei e sim vou tentar. Todos se ajudavam. O individual deu lugar ao coletivo. O grupo se fortalecia e com isso a aprendizagem acontecia.
O método adotado se fundamentou na teoria de Piaget, nas relações de trocas entre os parceiros mais experientes, na exploração do ambiente, nas relações pessoais e interpessoais. O grande diferencial foi a descoberta que todo casulo se transforma em lagarta que um dia vira borboleta.
É preciso ter paciência com a lagarta , para poder deixar nascer a borboleta.
Toda minha experimentação com a pré-escola foi útil no trabalho com o ensino fundamental, a concepção de educação não se modifica, ela se ressignifica, na busca de um novo fazer.
Madalena Freire no seu livro "paixão de se descobrir o mundo", diz que as vezes é preciso se apaixonar, se envolver de corpo e alma, que a educação é visceral; algo que te domina, que te motiva a descobrir o mundo, a se libertar do seu casulo, a abrir um universo novo de possibilidades.
Me apaixonei pela alfabetização.
Investir minha carreira no magistério na busca de um trabalho de excelência, estudei, me aprofundei na área, minha formação acadêmica foi toda direcionada com a alfabetização, escrevi minha monografia sobre a trajetória do leitor no espaço escolar.
Fiz Especialização e o PROFA, além de participar de grupos de estudos e ser coordenadora do núcleo integrado de alfabetização na escola,onde trabalhei até 2002. Durante esse tempo todo trabalhando com classe de alfabetização.
Em 2003 fui trabalhar na Escola Rachide da Glória Sacker a convite da diretora para exercer a função de coordenador de turno, porém não me afastei da alfabetização.Fazia dupla regência em outras unidades da rede.
Meu retorno à educação infantil se deu em 2007, na unidade de educação infantil NAEI SANTA ROSA, hoje Geraldo Montedôneo Bezerra de Menezes.
Novamente precisei me redefinir enquanto profissional, me inserir ao trabalho da umei, foi aí que tive a certeza de que cada um é fruto de suas descobertas de seu inventário social, cultural e histórico, não havia mais o que se definir.
Eu já tinha clareza minha identidade profissional.
Sabe a história do casulo da lagarta e da borboleta? Como termina?
Com o poema
O CASULO E A METAMORFOSE
Casulo local escuro, apertado e quente
Casulo sufocante, me oprime como gente grande
Casulo me aprisiona, não deixa eu me mexer
Parece concordo com tamanha violência
Me estico com força e escuto algo se romper
É a danada da lagarta que acaba de nascer
Rolando pelo chão ela vai sobrevivendo
Os dias de muito calor ela sobe pela flor
Nos dias de muita chuva
Ela se esconde entre as folhas
Com fome devora plantas
Bebe o orvalho da madrugada
Num belo dia de primavera
Veja que coisa mais engraçada
A pobre da lagarta se liberta
Do seu corpo e se transforma
Em uma linda borboleta
Colorida, alegre , leve, saltitante
Feliz e curiosa
Se descobrindo e se reinventando
seu lema é voar ,voar, voar
sua busca é infinita
Assim como sua fé na vida
Ela quer ser uma metamorfose ambulante,....
Maria Inês de Azevedo Ventura